sábado, 3 de novembro de 2012

"Então, Maria, quem deita no meu colo é o medo...

...Crê na magia secreta dos demônios ressentidos, aqueles. Que pediram amor e eu não dei. Se soubesse, se soubessem: dou amor a quem me pede. Quando tenho. Mas eu não tinha, Maria. Procurei nos meus bolsos e nas dobras do meu coração: não havia. Nenhunzinho sequer. Que amor é aquela coisa melada, sabe. Que escorre aqui e ali, fazendo lambança boa. Às vezes, só lá dentro. Às vezes, sobre o colchão. Ou feito cócegas atrás da orelha. Fato é, Maria, que os pequenos demônios que me visitam durante a noite – e de manhã se escondem nos fios da cortina da sala – ficaram carentes de dar dó. Mas eu não podia ajudar. Não podia. A mão de quem está sem amor não se abre: está sempre apertada de medo. Quem está sem amor acorda de madrugada para descobrir onde o pavor se esconde. Mal sabe que é dentro de si. Quem está sem amor nunca dorme, Maria: só o amor dá espaço para o repouso. Quem está sem amor pode até ser amado, mas treme o coração de secura. E não vê. Esquece que as borboletas cantam tal e qual os passarinhos, só que a gente não escuta – é que o bater das asas só é música para quem conhece o silêncio. Assim como o tremular das veias que invadem o coração. Tudo cantarolando suave e secreto – os sons do mundo. Mensagens da natureza. Diabinhos que pedem amor. E deus sempre perdoa. Deus de verdade sabe: o anjo que caiu era apenas um menino. Todo cheio de medo. Sem uma gota de amor."

 - Carla Jaia

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